PERFIL | FUTEBOL
Várzea, o coração do Jaraguá
Conheça a história de Denílson Félix e o legado do time Unidos do Morro de Santa Marta.
JORNAL DO JARAGUÁ
Segurança, mobilidade e comércio são os três pilares do cotidiano retratados pelos moradores da região do Jaraguá, que revelam seus principais desafios.
Em uma região cada vez mais habitada pela sua expansão vertical, alguns pontos têm preocupado os moradores do Jaraguá, bairro da zona noroeste de São Paulo, começando pela segurança, que tem se tornado um tema frequente entre os moradores. O conceito da palavra “segurança” diz que é o estado, qualidade ou condição de quem ou do que está livre de perigos, incertezas, assegurado de danos e riscos eventuais; situação em que nada há a temer. Conceito esse que os moradores da região, relatam não viver e não se sentem seguros atualmente, a sensação de vulnerabilidade entre os moradores têm aumentado nos últimos anos devido ao crescimento dos relatos de furtos e roubos, outros crimes e a ausência constante de policiamento na região.
Entendendo o conceito de segurança, Sandra Regina, 61 anos, moradora do bairro há 5 décadas, responde quando questionada se ela se sente segura andando pelo bairro durante a noite, e diz: “Eu não, nem de carro; até de carro eu tenho medo.” Ela relata que, há um tempo, foi assaltada na frente de casa enquanto guardava o carro na garagem. Contou ainda que havia um posto policial no bairro de Ipanema, que foi fechado, mas que havia ido até lá; que ligou para o 190 (número da Polícia Militar) pedindo ajuda e não recebeu uma viatura da polícia em sua residência. Resume essa situação dizendo: “Tive que me virar sozinha.”
A mesma pergunta foi feita a Felipe Gomes, 21 anos, morador do bairro desde que nasceu, que respondeu: “Nem um pouco. Já presenciei situações de extrema violência e perigo na região e até mesmo na porta da minha casa.” Ele complementa: “O policiamento aqui é falho e, quando tem, é esporádico. À noite fica pior e a atenção tem que ser redobrada.”
Sandra relata a frequência do policiamento de rondas na região como “bem ruim”. Já Felipe reforça quando perguntado sobre a frequência de ronda policial: “Infelizmente não, quase não vejo, uma vez ou outra”, retratando a presença da polícia como rara. A diferença entre os dois está na idade; a perspectiva, a visão e o medo de ambos, porém, são iguais mediante a ausência de segurança no bairro.
Outros moradores relatam como se sentem inseguros e destacam a ausência de policiamento na região. Mariana Casteliano e Juan Oliveira, 41 e 21 anos, respectivamente. Mariana, moradora há seis anos da região, diz: “Não me sinto segura andando pelo bairro, principalmente à noite, pois sempre tem assaltos.” Quando perguntada sobre a presença do policiamento, responde: “No tempo em que eu estava morando no bairro, só houve uma vez e por um período; depois, não vi mais.” Já Juan também diz que não se sente seguro andando pelo bairro à noite, pois, por onde passa, existem problemas com a iluminação e raramente vê a presença de policiamento, evidenciando ainda a vulnerabilidade causada pelas ruas pouco iluminadas em seu trajeto
Os números de ocorrências apresentados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) sobre o $74^{\circ}$ Distrito Policial - Jaraguá em 2025 registraram, até setembro deste ano, o total de 1.427 (um mil quatrocentos e vinte sete) casos de furtos, o que dá em média, cinco casos por dia, a mesma média do ano anterior no mesmo mês.
André Ferreira, 40 anos, morador há 34 anos da região, também comenta que o policiamento é pouco, e finaliza dizendo: “Por não ter uma base mais próxima” , ainda sobre como se sente em relação à segurança, diz: “Não, na fase que está o Brasil, não há ordem no país.” Reforçando, assim, as mesmas perspectivas dos demais entrevistados, visão e medo.
Recentemente, no bairro a PM resgatou Dez trabalhadores em condições análogas à escravidão. O galpão que funcionava de forma irregular, na Rua Carlo Pallavicino, mantinha as vítimas em situação desumana. De acordo com a PM, ao chegar ao país, ela foi submetida a condições precárias e restrição de liberdade. A denúncia foi feita pela própria família da jovem. Este caso foi registrado no $72^{\circ}$ DP - Vila Penteado, região da Brasilândia, zona norte de São Paulo, conforme mostram os dados do portal da Secretaria de Segurança Pública (SSP) registra até setembro 2025, o total 806 casos de flagrantes lavrados, em média 3 casos por dia.
A responsabilidade pela garantia de segurança, é um dever do Estado. Quando o Estado falha em oferecer serviços essenciais, como policiamento efetivo e recorrente, iluminação pública, pontos citados pelos moradores, ele descumpre seu papel fundamental e deixa a comunidade à mercê da própria sorte. Em abril, deste ano, a subprefeitura do Jaraguá, através de uma audiência pública, propôs intervenções urbanas, visando a melhoria do bairro, entre elas, existe apenas uma intervenção para a segurança, a implantação de uma ronda policial nos pontos de ônibus na região do Jaraguá e da Estrada de Taipas.
Efetivamente, vemos que a segurança do bairro, não é um tema que apresenta tanta preocupação do Governo do Estado e da Subprefeitura, uma vez que apenas uma das nove propostas aplicadas está voltada a segurança, as ações são limitadas. Refletir sobre o tema da segurança no Jaraguá acaba necessariamente levando a outro tema fundamental para a rotina da população: a mobilidade.
Por sua vez, a mobilidade urbana, dentro de uma região impactada pela expansão de linhas de trem e futuras linhas de metrô, e consequentemente vem aumentando o número da população da região, divide algumas opiniões de sua eficiência e suficiência, mas, todos tem conhecimento sobre a existência de desafios constantes, como dificuldade na integração entre as linhas de ônibus, constante falhas na linha 7 - Rubi da CPTM, que atende ao Jaraguá. A principal queixa são as longas esperas pelo transporte coletivo terrestre e férreo.
André, acha o transporte público suficiente e eficiente, mas explica que o transporte térreo ainda tem algumas dificuldades em algumas linhas, pelo tempo de espera e quantidade de de ônibus e o transporte férreo, acha que é mais eficiente, mas, muito cheio inclusive fora dos horários de pico que e relata que poderia ter intervalos menores.
Juan, também acha que o transporte é suficiente e eficiente, informa sobre o aumento de ônibus em linhas, mas concorda que ainda existem linhas que demoram um pouco mais.
Mariana, comenta que não acha o transporte público nem suficiente e nem eficiente e complementa: “a quantidade de pessoas só aumentaram e a distância para pegar a condução leva uns 15 minutos andando.
Sandra, compartilha da mesma opinião que Mariana, e complementa: “O bairro cresceu muito. Há 50 anos era bom, mas hoje não dá conta. Criaram mais uma estação, a vila aurora, além do jaraguá, mas, a população aumentou demais, porque é um bairro com loteamentos mais baratos. Deveria ter mais ônibus, mais trens, principalmente nos horários de pico. As linhas de ônibus são poucas: tem para o Terminal Pirituba, Paysandu e praça Ramos, só. Então acho que o transporte precisa melhorar bastante.
No início de novembro, de 2025, os moradores do bairro criaram um abaixo-assinado solicitando ao prefeito de São Paulo, Secretário(a) Municipal de Mobilidade e Trânsito (SMT), e Diretoria da SPTrans (São Paulo Transporte S.A.) com urgência a implantação ou prolongamento de linha de ônibus ligando o bairro city jaraguá (retão) ao centro de são paulo, alegando justamente o mesmo problema de integração entre o bairro e em especial a região Central. Essa petição só tem até o momento 2 assinantes.
No bairro, existem 2 estações de trem, a estação Jaraguá e a estação Vila Aurora, ambas da linha 7 da CPTM, o intervalo de trens em horário de pico e maior movimentação, varia de 4 - 6 minutos, já fora do horário de pico, pode levar em média 15 minutos. De julho de 2025 até Outubro, foram registrados 17 dias de falhas sistêmicas, entre elas a prejudicação da via por atos de vandalismo pelo furto dos cabos da via.
A Prefeitura compartilha a responsabilidade pela mobilidade urbana junto ao Governo do Estado, em abril deste ano, a subprefeitura do Jaraguá, através da audiência pública,citada sobre a intervenção de segurança, propôs intervenções para a mobilidade urbana. Entre elas: Implantar o metrô até o Jaraguá , Pirituba e Taipas, regiões próximas. Através da parceria da Prefeitura e do Governo do Estado; Construção de ciclovia da Estação Jaraguá (CPTM) até o Pico do Jaraguá.
A subprefeitura do Jaraguá/Pirituba recebeu em janeiro do ano passado, o então prefeito do estado de São Paulo, Ricardo Nunes, porque a região receberia R$490 milhões de reais, como investimento para melhorias no bairro, incluindo a construção de um complexo viário para ligação entre o bairro do Jaraguá e a região da Lapa, região comercial bastante movimentada.
Dentre os pilares do cotidiano dos moradores, o comércio local foi o melhor apresentado, algumas opiniões divergem, devido a localização que residem dentro do bairro. Embora haja opiniões divergentes quanto à distância de certos estabelecimentos, a maior parte dos moradores reconhece o comércio do bairro, em oferecer produtos e serviços essenciais, facilita a rotina diária e fortalece o vínculo da comunidade com a região, além de contribuir para o desenvolvimento econômico local. mas o comércio na região tem atendido as necessidades do dia a dia.
Os entrevistados Juan, Mariana e Felipe concordam que os comércios do bairro atendem as necessidades dos moradores, destacam o Cantareira Norte Shopping, redes de supermercados, lojas em geral, farmácias e mercados menores.
Já Sandra, não sente essa mesma facilidade no comércio “Onde eu moro não tem comércio, só uma “vendinha”. O comércio maior é no Ipanema, perto da estação Jaraguá. O problema é a falta de bancos, só tem o Bradesco. O melhor ponto comercial é o Ipanema, mas é longe da minha casa. De carro é fácil, mas a pé é subida. Então, o comércio da região onde moro é bem fraco” disse ela.
O preço dos produtos da região não tem agradado a todos os moradores, Sandra relata que por ser um bairro mais simples, os preços são altos e André, reforça a ideia de que “não tem uma rede e os menores impõem os preços que eles querem por não ter concorrência”
Juan, Felipe e André, destacam o Cantareira Norte Shopping e o Pico do Jaraguá como um comércio bem conhecido do bairro.
O Pico do Jaraguá, famoso ponto turístico não só do bairro, mas, de toda a cidade é a parte mais alta, localizado dentro do Parque Jaraguá, uma área adquirida pelo governo estadual em 1940, mas, só em 1961 foi transformado em parque, a fim de preservar a área em torno do Pico do Jaraguá, em 1994, foi considerado pela UNESCO, Patrimônio da Humanidade, integrante da Reserva da Biosfera do Cinturão Verde de São Paulo.
O parque oferece trilhas de baixa e média complexidade e estrutura de recepção a visitantes, tornando-se não apenas um espaço de lazer, mas também de educação ambiental. Já o Pico, foi transformado pela Prefeitura de São Paulo, como ponto turístico em 1946.
O Pico, é visível de diversos pontos da capital, é o ponto mais alto da cidade, chegando a 1.135 metros, para subir e apreciar a bela vista da capital, há duas formas: Com o uso de veículos próprios, pela via Estrada Turística do Jaraguá, via asfaltada ou caminhando pela Trilha do Pai Zé, que atravessa ou passa por áreas próximas à aldeia, onde vivem os Guaranis Mbya.
Há duas grandes antenas, sendo uma de televisão, compartilhada por 3 emissoras: TV Globo São Paulo, TV Bandeirantes São Paulo e TV Cultura, que pagam pelo aluguel do espaço e antenas de transmissão em micro-ondas, usadas para comunicação de bancos com as agências do Interior. Das emissoras de rádio, a USP é uma das que mantém sua antena instalada no Pico. Com seus 1.135 metros de altura, é o lugar mais alto de nossa cidade onde várias TVS estão com seus sistemas de transmissão. e junto à antena de televisão, existe uma grande escadaria que permite subir ainda mais, ladeada por um bondinho que se destina ao transporte de pessoas e materiais para manutenção da antena. Além de pequenas instalações comerciais e locais destinados a estacionamento de veículos e uma visão principalmente da parte oeste da Grande São Paulo, também pode ser avistado o Rodoanel Mário Covas, na parte posterior.
Nas ruas do Jaraguá, entre becos e vielas que carregam histórias de união, um escudo representa mais do que um nome, representa um propósito. O Unidos do Morro de Santa Marta, um time tradicional do futebol de várzea na Zona Noroeste de São Paulo, é um exemplo claro de como o esporte pode ser muito mais do que uma competição: “Meu pai deixou essa história para que a gente continue. Não é só futebol: é um legado, é o amor pela nossa comunidade. Tentamos manter vivo tudo aquilo que ele começou, com o mesmo espírito de união e respeito”, conta Denílson Félix, de 51 anos, que é presidente e coração do clube.
Ele assumiu o time em 2002, após a perda do pai, e desde então mantém viva a paixão que começou há muitos anos, quando o futebol de bairro era o ponto de encontro das famílias, o lazer nas tardes de domingo é um orgulho para quem mora no morro.
Com o tempo, o Unidos do Morro de Santa Marta se tornou um símbolo de resistência e pertencimento para quem vive na região. Ultrapassou os limites do campo e passou a representar o espírito coletivo do bairro, reunindo gerações em torno de uma mesma paixão. O que antes era apenas um grupo de amigos com uma bola hoje é um projeto que movimenta famílias, desperta sonhos e forma cidadãos.
O local onde tudo acontece é mais do que um simples campo de futebol, funciona como um ponto de convivência. Ali, o som dos tambores se mistura com o barulho dos pequenos brincando, enquanto os mais experientes relembram as épocas em que jogavam com calçados gastos e uniformes emprestados. "Começamos sem nada. Uma bola furada, chuteiras remendadas, mas nunca faltou gente para vir. O que importava era jogar e estar juntos", recorda Denílson.
Com o passar dos anos, o Unidos do Morro construiu uma história robusta dentro e fora do campo. O time participa de torneios locais e regionais, promove o nome de Jaraguá em outros bairros e preserva a tradição do futebol amador. Mais do que apenas competir, a equipe também tem o objetivo de inspirar: cada conquista é comemorada junto à comunidade, e cada obstáculo é enfrentado coletivamente.
Entretanto, o grande destaque do Unidos do Morro reside em sua função social. Denílson sempre teve a convicção de que o futebol pode transformar a vida das pessoas, e é com essa perspectiva que o clube opera como um autêntico projeto de transformação.
As crianças e jovens têm a oportunidade de participar de escolinhas, onde adquirirem habilidades técnicas e aprendem princípios como respeito, disciplina e solidariedade. "Nossa missão não se resume a ensinar a dar passes. É mostrar que é possível triunfar na vida através de esforço e ética", esclarece o presidente.
As atividades da equipe vão além das competições. Em datas especiais, o grupo realiza campanhas para arrecadar alimentos, doações de roupas e celebrações comunitárias. "O futebol é o que nos une, mas o que sustenta nossa existência é o carinho pelo próximo", diz Denílson, emocionado ao lembrar das famílias já beneficiadas por essas ações.
Apesar de tantas conquistas, a trajetória nunca foi simples. Manter o time demanda recursos que muitas vezes não estão disponíveis. Os gastos com uniformes, bolas, transporte e taxas de inscrição são desafios financeiros.
O clube se mantém graças à colaboração de quem acredita no projeto: comerciantes locais, pequenos patrocinadores e moradores que ajudam como conseguem. "Tem meses em que não sabemos se conseguiremos ir ao jogo, mas sempre aparece alguém para ajudar. Aqui é assim: um apoia o outro", afirma o presidente, com um sorriso que reflete tanto cansaço quanto orgulho.
"A falta de apoio público é uma realidade que se repete em diversos bairros e times amadores da região de São Paulo. Denílson lamenta que iniciativas tão significativas para a juventude sejam frequentemente negligenciadas. "Quase não recebemos apoio da prefeitura. Se dependêssemos deles, já teríamos encerrado. Mas não podemos desistir. A comunidade precisa de nós, e nós precisamos dela."
Nos finais de semana, quando o Unidos do Morro entra em campo, o bairro inteiro se transforma. As arquibancadas improvisadas se enchem de torcedores, as bandeiras flutuam e o som dos tambores ressoa pelas ruas. Pais, filhos e avós se reúnem para apoiar, e a atmosfera é de pura celebração.
E o futuro ainda traz grandes planos. O objetivo é expandir as instalações do clube, fazer melhorias no campo e construir uma pequena sede onde possam ocorrer oficinas, cursos e eventos culturais. “O futebol é apenas o começo, mas a intenção é transformar o Unidos do Morro em um centro de oportunidades para a comunidade. Queremos que os jovens encontrem aqui razões para sonhar,” afirma.
Nesse ínterim, o trabalho continua forte. Durante os treinos, nas reuniões, nas campanhas e nas vitórias arduamente conquistadas. O Unidos do Morro permanece como um reflexo da comunidade que o originou: humilde, lutadora e cheia de paixão.
Em um cenário onde o futebol profissional parece cada vez mais desconectado da realidade local, o time de Santa Marta preserva a essência do futebol de várzea.“Enquanto houver uma bola em movimento e uma criança acreditando, o Unidos do Morro sempre existirá,” finaliza Denílson, com a certeza de quem compreende que o esporte tem o poder de mudar vidas.
No Jaraguá, bairro que se apoia entre morros, vielas e histórias cruzadas, o cotidiano pulsa numa vibração que mistura resistência, humor, afeto e improviso.
É um lugar onde o sol bate diferente no fim da tarde, refletindo nos telhados e criando uma luz dourada que parece abraçar quem passa pela rua. Um lugar onde as pessoas se conhecem pelo timbre da voz, pela risada forte, pelo jeito de abrir o portão ou de ajeitar a cadeira na calçada. Aqui, o comércio local funciona como uma rede de sustentação invisível uma espécie de teia sutil formada por pessoas que aprenderam, desde cedo, que a sobrevivência depende mais da união do que da força bruta. É um organismo vivo, alimentado diariamente pela insistência bonita de quem acredita que vale a pena continuar tentando, mesmo quando o cenário é adverso. E talvez por isso seja tão natural comparar o bairro ao seu orgulho comunitário: o time de várzea do Jaraguá, que joga com a mesma teimosia bonita que faz cada comerciante abrir a porta do negócio todos os dias.
A várzea, no Jaraguá, nunca foi apenas um jogo. É território sagrado, ritual semanal, ponto de encontro, ponto de fuga, respiro e memória viva. Homens, mulheres, crianças e até idosos carregam histórias ligadas ao campo: finais emocionantes, viradas improváveis, brigas que viraram risada, chuvas torrenciais que transformavam o gramado num lamaçal épico. Os moradores cresceram vendo partidas que começavam com nuvens de poeira subindo da lateral e terminavam em abraços apertados, mesmo quando a vitória não vinha. O time é montado por jogadores que trabalham duro durante a semana — mecânicos, pedreiros, motoristas, comerciantes, jovens que estudam, pais e tios — que sonham e se dedicam ao futebol no domingo, como se aquele pequeno campo fosse o maior estádio do mundo. Eles representam o espírito do bairro: guerreiros, persistentes, criativos, prontos para driblar qualquer dificuldade. E esse espírito atravessa as ruas e alcança os comércios — cada um deles um tipo diferente de jogador nesse grande campo que é o Jaraguá.
Logo ali, numa rua movimentada, está **Renata Pereira**, do Renata Pereira Visagismo, uma das figuras mais constantes na paisagem afetiva do bairro. Há mais de 12 anos, ela transformou um pequeno espaço em um salão onde autoestima é tratada como prioridade e cuidado emocional é parte do atendimento. A decisão de trabalhar perto de casa foi, antes de tudo, um gesto de amor: queria acompanhar os filhos, estar presente nos detalhes, ver os passos, as descobertas, as pequenas vitórias da infância. Renata nunca quis ser uma mãe ausente, e encontrou no salão a chance de equilibrar sonho, carreira e maternidade.
O salão cresceu. Hoje, três profissionais dividem o espaço com ela, e ali se construiu uma rotina com ritmo próprio. De manhã, mulheres ajustam o visual para enfrentar o dia. No início da tarde, chegam estudantes com pedidos ousados, tintas vibrantes e desejos de mudança. No fim da tarde, o bairro retorna para casa, e muitos passam por ali para respirar, se cuidar, renovar as forças. Renata sempre diz que o salão é um ponto de encontro, um lugar onde as pessoas podem ser quem são, sem máscaras, sem pressa, enquanto alguém cuida delas com delicadeza.
E há algo muito particular ali: a escuta. Em certos dias, o salão se assemelha a um pequeno confessionário, onde histórias densas encontram acolhimento. Entre um corte e outro, nascem amizades, desabafos, conselhos e parcerias. Renata sabe que beleza não se trata apenas de estética, é sobre devolver brilho aos olhos, confiança ao semblante, força ao coração.
Mas como tantos comerciantes do bairro, ela enfrenta a falta de visibilidade. No Jaraguá, quem não aparece nas redes sociais acaba invisível. Por isso, Renata fez do Instagram seu campo de ataque. Ela aprendeu que, no comércio local, presença digital é estratégia de sobrevivência.
Em outra parte do bairro, longe do vaivém de pessoas entrando e saindo de portas abertas, está **Vani**, uma empreendedora que transformou a própria casa em um centro de distribuição de alegria e brilho. Há 11 anos, ela produz artigos de Carnaval, festas e decorações temáticas, e seu alcance é gigantesco. Se o comércio fosse um campeonato nacional, Vani estaria na primeira divisão. Seus produtos chegam a Minas Gerais, Parintins, cidades do interior e até pequenos comércios da tradicional 25 de Março. O Jaraguá é seu berço, mas sua arte viaja o país inteiro.
A rotina de Vani é um espetáculo à parte. Ela trabalha como quem comanda um contra-ataque certeiro: rápida, organizada, eficiente. Enquanto muitos comerciantes lidam com portas abertas, ela gerencia pedidos pelo celular, confere mensagens, responde dúvidas, ajusta detalhes, despacha encomendas com precisão cirúrgica. A casa inteira se adapta ao fluxo do trabalho: sala vira estoque, corredor vira linha de montagem, quintal vira área de empacotamento. Apesar de crescer tanto, Vani manteve as raízes fincadas no bairro.
Se Renata brilha no ataque e Vani domina as jogadas longas, **Josélia**, da Josélia Cosméticos é a lateral direita que sustenta o time. Estratégica, firme, cuidadosa. Sua garagem transformada em loja é um símbolo da criatividade do comércio local. É um ambiente pequeno, mas construído com o tipo de carinho que só existe quando o trabalho nasce dentro de casa. Ali, Josélia monta kits personalizados, cria cestas especiais, prepara lembrancinhas sob medida.
Josélia decidiu manter o negócio dentro de casa para evitar riscos, economizar gastos e ter controle sobre o próprio tempo. Ela reconhece, porém, as dificuldades: o bairro ainda não valoriza como poderia o comércio local. Muitos preferem ir à Lapa ou a outros centros comerciais. “Falta união”, ela diz. “Cada um cuida do seu”. Ainda assim, ela segue firme. Cria promoções criativas, ajusta estoques, administra o fiado, aprende com erros e mantém o negócio vivo.
Entre suas clientes mais fiéis está Nicole, jovem encantada pelo atendimento e pelos produtos do espaço. Para ela, comprar da Josélia é como comprar de alguém da família — alguém que se importa, que escuta, que pergunta, que faz questão de oferecer o melhor. Para Nicole, a loja não é apenas um comércio. É vínculo, é cuidado, é afeto.
Esse sentimento de fazer parte também vibra forte no campo de várzea do bairro. Os comerciantes Renata, Vani, Josélia e muitos outros que mantêm seus negócios vivos, têm mais em comum com esse time do que imaginam. Todos enfrentam adversários maiores: a concorrência desleal, o custo alto, a falta de união, a invisibilidade. Todos comemoram pequenas vitórias.
O Jaraguá é um lugar onde se aprende, desde cedo, que resistência é rotina; que improviso é estratégia; que união é força; que a vida se sustenta em pequenas vitórias diárias; e que cada morador carrega dentro de si um pouco da alma da várzea. A partida recomeça a cada manhã.
Conheça a história de Denílson Félix e o legado do time Unidos do Morro de Santa Marta.
Retratos de Renata, Vani e Josélia, que transformaram a vida no bairro em uma estratégia de negócio.
Uma conversa sincera com um líder comunitário.